ESCALA TEMPERADA


O objetivo deste texto é explicar como os locais das notas musicais são determinados em instrumentos de afinação fixa como o violão, mas a teoria é a mesma para quaisquer instrumentos temperados.


Falarei apenas em escalas maiores, pois as informações musicais contidas aqui serão apenas citadas para se chegar à lógica de construção do instrumento e não visam ensinamento musical mais aprofundado.



Nas imagens será utilizada a representação inglesa das notas musicais.



Na música ocidental dividimos a escala musical em tons e semitons (meio tom), sendo o semitom o menor intervalo musical existente na nossa cultura. Assim, dois semitons equivalerão à um tom. No entanto, existem outros sons intermediários e que não são utilizados na nossa música, chamados COMAS, ou coma pitagórico. O coma é o menor intervalo musical perceptível ao ouvido humano.


Normalmente quando tocamos essas notas de forma não planejada, “desafinamos”.


O intervalo musical de 1 Tom, é separado por nove desses comas. Se tocarmos uma nota qualquer (dó, por exemplo) e a aumentarmos (subirmos) 9 comas, chegaremos à nota que está imediatamente um tom acima (ré).






Entre cada tom existe um semitom (ou meio tom). Assim entre dó e ré existe uma nota intermediária que podemos chamar de Dó mais meio tom (dó#), que é um semitom cromático ou ré menos meio tom (ré b), um semitom diatônico.





Temperamento: situação em que o intervalo de dó e dó# é o mesmo de dó# e ré.


É neste ponto em que o traste do violão é colocado. Exatamente a 4,5 comas temos então o semitom, que pode se chamar Dó# ou Réb. Esta situação onde o mesmo som tem diferentes nomes, se chama Enarmonia.


Ops… mas o coma não é o menor intervalo musical que percebemos?


Sim! Não existe meio coma, pois nosso ouvido é incapaz de perceber esse intervalo… Nesse caso então, nós sempre ouviremos o semitom formado por 4 ou 5 comas.


Se no violão o traste é colocado exatamente no ponto correspondente a 4,5 comas, mas não ouvimos meio coma, como saberemos se a corda ferida nesse traste tem 4 comas ou 5 comas?


São diversos fatores que determinam isso. Os principais são: material utilizado na confecção da corda; espessura da corda; distância da corda até o traste; fator de compensação utilizado no cavalete do violão e pressão do dedo exercida sobre a corda.


Houve divergências históricas entre músicos e físicos, onde músicos afirmavam que o semitom cromático (dó-dó#) tinha 5 comas e o semitom diatônico 4 comas (dó-réb) e físicos afirmavam o contrário.


Para o que se propõe este artigo, essa é uma questão meramente semântica. Tratarei como cromático o semitom com 4 comas e diatônico o semitom com 5 comas.








Representação para o semitom cromático



Representação para o semitom diatônico




Exemplificando, uma escala de Dó maior ficaria da seguinte forma:





As escalas de Dó sustenido maior ou Ré bemol maior (enarmônicas), ficariam assim:










Ou esta representação, para ajudar no entendimento de como seria uma escala não temperada:






Muitos devem ter visto instrumentos com trastes irregulares, como na foto abaixo…






Certamente quem fez isso deve ter imaginado que resolveu os problemas de afinação dos instrumentos de notas fixas, corrigindo a posição onde as notas deverão ser tocadas corretamente.


Mas se a teoria é conhecida, por que não podemos aplicar essa técnica aos instrumentos? Vamos calcular como ficaria uma escala correta, respeitando os intervalos de semitons cromáticos e diatônicos?


As cordas soltas de um violão são Mi, Si, SOL, RÉ, LÁ, MI da primeira à sexta corda, respectivamente.

Farei um desenho, fora de escala, usando a primeira corda do violão (nota Mi) para exemplificar, mas a teoria vale para todas as demais cordas.


Precisaremos da configuração abaixo entre semitons cromáticos e diatônicos para determinar o local dos trastes:





E, voilà!!!









Pronto!! Temos a colocação dos trastes de forma não temperada nos locais precisos, respeitando a lógica de semitons cromáticos e diatônicos. Tocar em Mi maior nunca será tão afinado! Aleluia!! Agora basta seguir esse mesmo raciocínio corda à corda e teremos uma bela escala com trastes tortinhos, como aquela da foto anterior.


Mas… e se quisermos usar essa mesma corda para tocar uma música em Dó maior? A sequência de semitons cromáticos e diatônicos na corda Mi para tocarmos em dó maior é a seguinte:





Ops… ficou tudo diferente da anterior em Mi maior? Pois é, ficou...


Não há como tocar em diferentes tonalidades com trastes fixos sem obedecer às regras do temperamento. Seria possível se utilizássemos trastes móveis, mas à cada música seria necessário recolocá-los na posição correta e, é claro, só poderíamos executar músicas que não sofressem modulações no seu transcurso.






Mas se após todas estas explicações ainda quiseres tocar em um violão “afinado” é simples... basta remover todos os trastes!! Aí é só acertares a posição correta sobre a escala como fazem (ou tentam) os músicos que tocam a família de arco, violino, viola, cello e baixo.



Pelotas, RS, julho de 2020.